segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O homem que criou o pior game da história

O jogo eletrônico inspirado no filme E.T (1982), de Steven Spielberg, é considerado o pior de todos os tempos - foi citado até como responsável pelo colapso de sua fabricante, a Atari. Howard Scott Warshaw, o talentoso programador que criou o jogo, conta como o projeto foi realizado em poucas semanas - e hoje, vivendo na Califórnia, relata suas impressões sobre o epísódio. Spielberg não ficou impressionado com o jogo. "Não daria para fazer algo mais como Pac-Man?", ele perguntou. Era julho de 1982 e a Atari, uma das empresas de tecnologia mais bem-sucedidas à época, havia acabado de pagar US$ 21 milhões pelo direitos de adaptação para videogame do novo sucesso de Spielberg: E.T, o Extraterrestre. Howard Scott Warshaw foi o programador que recebeu a tarefa de desenvolver o jogo. "Eu fiquei atordoado", diz Warshaw. "Era Steven Spielberg, um de meus ídolos, sugerindo que eu tinha detonado o jogo. Meu impulso foi dizer: 'Bem, Steven, você não poderia ter feito algo como O Dia em que a Terra Parou (clássico de ficção científica de 1951)?" O prestígio de Warshaw na Atari era alto. Aos 24 anos, ele havia acabado de finalizar o jogo baseado no filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), de Spielberg. O diretor considerava Warshaw um "gênio". Prazo apertado O programador relembra o dia em que recebeu a missão. "Estava no escritório e recebi um telefonema do CEO da Atari. Ele disse: 'Howard, precisamos do jogo do E.T pronto. Você pode fazer?'" "Eu disse: 'Claro que posso!'" Jogos para Atari 2600 eram distribuídos em cartuchos que levavam semanas para ficar prontos. Para E.T chegar às prateleiras no Natal, o cronograma era apertado. O CEO afirmou que o jogo precisava estar pronto em 1º de setembro. "Isso me dava cinco semanas para fazê-lo! Normalmente seriam seis a oito meses para desenvolver um jogo, não cinco semanas", afirma Warshaw. "Então ele disse: 'Pense numa ideia para o jogo e vá até o aeroporto. Haverá um jatinho te esperando para encontrar Spielberg'." "Não sei cheio de que eu estava, mas estava transbordando", conta o programador. Warshaw pegou um jatinho para apresentar a ideia do jogo a Steven Spielberg. Ele preparou sua ideia e viajou da sede da Atari na Califórnia até Los Angeles. Sua proposta era uma aventura em que o jogador deveria ajudar o E.T a telefonar para casa, coletando partes de um aparelho interplanetário. O jogador teria que driblar agentes do governo e cientistas para completar sua missão. "Encontrei-me com Spielberg e mostrei todo o desenho do jogo. Disse a ele: 'Acho que é muito importante realizarmos algo inovador. E.T é um filme de impacto e precisamos de um game assim'." "Eu o convenci a desistir da ideia de algo baseado em Pac-Man. Mas a chave era desenvolver um jogo que pudesse entregar em cinco semanas." Produção 24 horas A Atari precisava que o jogo fosse um sucesso. As vendas da companhia haviam atingido um pico de US$ 2 bilhões em 1982, mas a empresa estava perdendo mercado para computadores pessoais como o Commodore 64, que tinha mais opções além de jogos. "Foi o trabalho mais difícil da minha vida", afirma Warshaw, que foi o único programador no projeto. "Comecei trabalhando no escritório, mas depois vi que havia um problema: ainda precisava ir para casa dormir e comer de vez em quando." "Então trouxemos uma estação de trabalho para minha casa, para que eu ficasse no máximo dois minutos fora da missão, a não ser quando estivesse dirigindo." Warshaw conta que havia um gerente responsável apenas por garantir que ele estivesse se alimentando. "Quando o processo acabou, eu pensei: 'Uau, eu consegui'." Jogo era pouco intuitivo e logo desagradou usuários. A Atari produziu uma leva inicial de 4 milhões de cartuchos, e orçou US$ 5 milhões para aquela que seria a maior campanha publicitária da indústria de games até então. "O E.T precisa de ajuda de seu amigo humano - e esse é você!", dizia a propaganda. Anúncios na TV foram veiculados por semanas. O próprio Spielberg apareceu em um vídeo promocional, enquanto Warshaw foi enviado a Londres para a estreia do jogo, e ficou sentado em frente à princesa Diana. "Os chefes acreditavam que qualquer coisa com o nome E.T venderia milhões e milhões", ele conta. Problemas O jogo vendeu bem no início, mas logo começaram a circular comentários sobre algo de errado no game. "Era um jogo completo, mas certamente não era perfeito", diz Warshaw. "Havia muitas chances de você acabar em uma situação estranha. Isso era difícil e muitas pessoas abandonaram o jogo." Usuários reclamaram que o personagem do E.T inexplicavelmente caía em armadilhas e ficava preso. Um garoto de 10 anos resumiu a história ao jornal The New York Times: "Não era divertido." A Atari logo percebeu que o E.T não iria decolar. No começo de dezembro de 1982, anunciou vendas "decepcionantes" no ano, e o valor de sua empresa irmã Warner Communications desabou. Os resultados afetaram outras desenvolvedoras de videogames. "Depois do Natal começamos a receber devoluções", conta Warshaw. "O jogo vendeu quase 1,5 milhão de unidades, mas ainda é pouco quando você precisa vender 4 milhões." No segundo trimestre de 1983, a Warner anunciou perdas de US$ 310 milhões. "As coisas apenas começaram a desandar", afirma Warshaw. "É incrível ser responsabilizado por ter derrubado sozinho uma indústria bilionária, com apenas 8 kb de código. A verdade é um pouco mais complexa."

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